31 julho 2010

Não há sossego...




"Nas praças vindouras - talvez as mesmas que as nossas -
Que elixires serão apregoados?
Com rótulos diferentes, os mesmos do Egipto dos Faráos;
Com outros processos de os fazer comprar, os que já são nossos.


E as metafísicas perdidas nos cantos dos cafés de toda a parte,
As filosofias solitárias de tanta trapeira de falhado,
As ideias casuais de tanto casual, as intuições de tanto ninguém -
Um dia talvez, em fluido abstrato, e substância implausível,
Formem um Deus, e ocupem o mundo.
Mas a mim, hoje, a mim
Não há sossego de pensar nas propriedades das coisas,
Nos destinos que não desvendo,
Na minha própria metafísica que tenho porque penso e sinto.
Não há sossego,
E os grandes montes ao sol têm-no tão nitidamente!


Têm-no? Os montes ao sol não têm coisa nenhuma do espírito.
Não seriam montes, não estariam ao sol, se o tivessem.


O cansaço de pensar, indo até ao fundo de existir,
Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo.


O que é feito dos propósitos perdidos, e dos sonhos impossíveis?
E porque é que há propósitos mortos e sonhos sem razão?
Nos dias de chuva lenta, contínua, monótona, uma,
Custa-me levantar-me da cadeira onde não dei por me ter sentado,
E o universo é absolutamente oco em torno de mim.


O tédio que chega a constituir nossos ossos encharcou-me o ser,
E a memória de qualquer coisa de que não me lembro esfria-me a alma.


Sem dúvida que as ilhas dos mares do sul têm possibilidades para o sonho,
E que os areais dos desertos todos compensam um pouco a imaginação;
Mas no meu coração sem mares nem desertos nem ilhas sinto eu,
Na minha alma vazia estou,
E narro-me prolixamente sem sentido, como se um parvo estivesse com febre.


Fúria fria do destino,
Intersecção de tudo,
Confusão das coisas com as suas causas e os seus efeitos,
Consequência de ter corpo e alma,
E o som da chuva chega até eu ser, e é escuro."


Álvaro de Campos - 03/02/1927


Imagem: Munch, retirada do Estado de São Paulo

05 julho 2010

Simple things



Voltar à infância andando de bicicleta com a melhor amiga na orla da Lagoa.
O sol entrando pela janela iluminando ainda mais o momento mágico.
Presentinho da aluna que me ensinou que a vida é muito mais do que a gente vê.
Fotos de bebês chegando por email.
kkk's e rsrs's
Sabores exóticos em família.
Relaxamento e saúde em doses homeopáticas.
Abraços sorridentes da avó mais fofa do mundo.
Cheirinho de Nina.
Férias entre amigos, num lugar novo.
Canjica.
Filme água-com-açúcar, cobertor...
Autocarinho.
Música boa tocando repetidas vezes.
Brilho nos olhos.
Explosão de cores.
Turismo na própria cidade.
Vida.


Imagem: Ipê roxo na Praça da Liberdade, BH. Por Vivi Marchezini